Instrução Normativa da Direção Geral da Polícia Federal, que retira os investigadores federais do local de crime, é imenso retrocesso em matéria de segurança pública e ciência forense.
A Federação Nacional dos Policiais Federais, entidade que representa 90% dos servidores da Polícia Federal, vem apresentar informações aos sindicalizados, manifestando extrema preocupação e contrariedade com a maior parte do conteúdo da Instrução Normativa nº 156–DG/PF, publicada pela Direção Geral da Polícia Federal em 02 de março de 2020.
Como forma de exibir um breve retrospecto para melhor entendimento acerca da elaboração de tais instruções normativas, a exemplo da IN 108/2016 e algumas outras subsequentes, observa-se que estas foram elaboradas a partir de grupos de trabalho criados pela direção do órgão, grupos esses compostos essencialmente por ocupantes do cargo de delegado.
Tais ações antidemocráticas parecem buscar sustentação numa extrapolação interpretativa de leis, como a 12.830 e a 13.047, ambas formuladas e defendidas por entidades representativas de delegados e cujas tramitações se deram de forma bastante incomum no Congresso Nacional, numa busca desenfreada para atribuir, com ainda mais ênfase, um protagonismo inexplicável ao delegado de polícia em detrimento dos demais cargos da carreira policial federal, de modo a atender interesses de entidade que representa exclusivamente o cargo privilegiado na citada instrução normativa.
O normativo interno, que tem a pretensa finalidade de disciplinar a atuação da Polícia Federal diante das alterações trazidas pelo pacote anticrime em dispositivos do Código de Processo Penal, em especial com relação aos vestígios e pistas encontrados nos locais de crime e na cadeia de custódia (preservação) das provas coletadas nestes locais, provocou reações negativas em todo o Brasil.
Reconhecida mundialmente, a Ciência Forense é compreendida como o conjunto de todos os conhecimentos científicos e técnicas de investigação utilizados para desvendar crimes.
É considerada interdisciplinar, pois envolve diversas áreas do conhecimento (Química, Física, Biologia, etc.) e tem como objetivo principal o suporte às investigações de crime, desvendando a autoria, a partir da correta e célere atuação no local do crime, em especial
aqueles que deixam vestígios, tendo como exemplos clássicos o homicídio doloso e o latrocínio.
A leitura detida da instrução normativa em comento, produzida sem qualquer discussão interna, mostra a insistência em privilegiar o viés burocrático/jurídico em detrimento do operacional, investigatório e técnico-científico, e revela um inusitado retorno ao século
XIX ao estabelecer um regramento cartorial e inexequível ao conjunto de atos de investigação que devem ser adotados diante de uma cena de crime, concentrando tais atos exclusivamente na pessoa do delegado de polícia, além de conferir a este cargo, por instrução normativa, poderes típicos da magistratura, como a nomeação de perito ad hoc.
Ao “retirar” o protagonismo do local de crime do investigador natural, que é o policial de campo ou ostensivo, o que primeiro chega na cena do delito, e em seu lugar inserir aquele que – em regra – não vai ao local e permanece em gabinete ocupando-se da burocracia, a Direção Geral assume postura corporativista, além de promover uma verdadeira inversão do que mundialmente se pratica em matéria de criminalística. A especialização, o regramento e o treinamento das equipes de investigação ou ostensivas de campo para a prática dos atos corretos e precisos de investigação (isolamento imediato do local, entrevista das testemunhas, coleta de dados e vestígios iniciais) são fundamentais para a entrega de um serviço público de qualidade, trazendo segurança e justiça aos cidadãos brasileiros.
Ao lançar esse normativo, novamente construído sem a participação de todos os cargos da Polícia Federal, a gestão acirra ainda mais os ânimos internos e coloca em evidente risco o sucesso do trabalho da Polícia Federal. Sem falar na extrapolação legal de se regulamentar atividades sem uma Lei Orgânica que sirva como parâmetro, no que concerne especificamente ao importante trato dado aos locais de crime. A constitucionalidade e legalidade são fundamentais para desvendar a prática criminosa com a punição dos transgressores e soa como mais um capítulo na busca corporativa desenfreada pelo empoderamento do cargo de delegado, concedendo unicamente a este a
“capacidade” de “reconhecer a existência de crime que deixa vestígio” (art. 7º), e adotar os procedimentos cabíveis, pouco importando os resultados desastrosos da medida para o já comprovadamente falido sistema de segurança pública do nosso país.
Tome-se, por exemplo, o recente e lamentável homicídio, em serviço, do APF Ronaldo Hereen no Rio de Janeiro, onde os primeiros investigadores federais a chegarem no local de crime eram policiais federais de campo/ostensivos. À luz da nova instrução normativa
não há previsão de nenhum ato de investigação a ser praticado no local por estes policiais.
Neste passo, a FENAPEF irá aguardar a revisão desse ato administrativo por parte da Direção Geral, a qual já se comprometeu a fazê-lo, conforme manifestação expressa na data de hoje, já tendo esta entidade preparado um conjunto de medidas para buscar reverter tamanho retrocesso e recolocar a Polícia Federal no caminho democrático e de lealdade com todos os seus servidores.
Fonte: Fenapef